Marisa Letícia nasceu em uma casa de pau-a-pique,
em um sítio no interior de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Ainda criança, mudou com a família para o centro da
cidade e aos 13 anos passou a trabalhar embalando bombons Alpino na fábrica de
chocolates Dulcora. Aos nove, havia sido babá das sobrinhas do pintor Candido
Portinari.
Deixou o emprego para casar, aos 19 anos. Seis
meses depois, o marido, taxista, foi assassinado a tiros em uma tentativa de
assalto, deixando a jovem viúva grávida de quatro meses do seu primeiro filho,
Marcos.
Ela conheceu Lula, também viúvo, em 1973, no
Sindicato dos Metalúrgicos da cidade. Ele trabalhava no Serviço de Assistência
Social do sindicato quando Marisa foi buscar um carimbo para recolher a sua
pensão como viúva. Os dois começaram a namorar e casaram-se menos de um ano
depois.
Braço direito de Lula
Marisa acompanhou Lula desde o início de sua vida
política, durante as greves de operários no ABC paulista no fim dos anos 1970 –
ele tornou-se presidente do sindicato um ano depois do casamento, em 1975.
Ela foi a responsável por costurar a primeira
bandeira do Partido dos Trabalhadores. “Eu tinha um tecido vermelho, italiano,
um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo
vermelho. Ficou lindo.” Na época, estampava camisetas com a estrela símbolo da
sigla para arrecadar fundos para o partido e chegou a cadastrar as pessoas na
rua, buscando convencê-las da importância de montar um partido dos
trabalhadores.
Em 1980, em plena ditadura, quando Lula e diversos
sindicalistas foram detidos no Dops (Departamento de Ordem Política e Social)
devido às greves, liderou uma marcha só com mulheres em protesto pelas prisões
políticas. Hoje parece loucura. Fizemos uma passeata das mulheres em 1980,
quando os dirigentes sindicais estavam presos. Encheu de polícia.
Os homens queriam dar apoio, mas dissemos não.
Fizemos só com as mulheres, eu de mãos dadas com meus filhos à frente”, lembra
em entrevista à Fundação Perseu Abramo, em 2002.
Em 1º de janeiro de 2003, tornou-se primeira-dama
após o marido concorrer à Presidência quatro vezes, em 1989, 1994 e 1998.
Marisa Letícia assumiu o sobrenome
Silva ao se casar com Lula. Quando o ex-presidente incorporou o apelido a sua
assinatura, passou também a assinar Marisa Letícia Lula da Silva. Para o
ex-presidente, no entanto, a mulher era apenas “galega”, apelido pelo qual a
chamava desde que começaram a namorar, nos anos 1970.
Costumava dizer que foi pai e mãe dos filhos, a
quem se dedicou enquanto o marido avançava na vida pública. Cuidava sozinha do
apartamento em que a família vivia em São Bernardo.
“É ela quem manda. E ele obedece. Dona Marisa se
dedica a Lula e à família inteira. É o alicerce de Lula”, definiu o
cardiologista e amigo da família, Roberto Kalil, médico de Lula há 30 anos, em
entrevista ao jornal O Globo em 2011, quando o ex-presidente teve a cabeça
raspada pela mulher durante o tratamento de câncer contra a laringe a que se
submeteu.
Aguçada sensibilidade
Se há uma mulher que não pode ser
considerada mero adereço do marido é Marisa Letícia Lula da Silva. Conta a
fábula que, tendo sido coroado, o rei nomeou para o palácio um lenhador que, na
infância, fora seu companheiro de passeios pelo bosque. Surpreso, o pobre homem
escusou-se frente à tão inesperada deferência, alegando que mal sabia ler e não
possuía nenhuma ciência que justificasse sua presença entre os conselheiros do
reino. “Quero-o junto a mim – disse o rei – porque preciso de alguém que me
diga a verdade”.
Marisa não tem a vocação política de
Lula, mas sua aguçada sensibilidade funciona como um radar que lhe permite
captar o âmago das pessoas e discernir as variáveis de cada situação. Por isso,
é capaz de dizer a Lula verdades que o ajudam a não se afastar de sua origem
popular nem ceder ao mito que se cria em torno dele. A simplicidade talvez seja
o predicado que ela mais admira nas pessoas.
Nascida em São Bernardo do Campo, numa
família de pequenos sitiantes, ela guarda a firmeza de caráter de seus
antepassados italianos. Comedida nas palavras, a ponto de preferir não dar
entrevistas, não faz rodeios quando se trata de dizer o que pensa, doa a quem
doer. Por isso não pode ser incluída entre as tietes do marido. Nos palanques,
prefere ficar atrás e não ao lado de Lula. A admiração recíproca que os une não
impede que, ao vê-lo retornar de uma maratona de reuniões, às 3 da madrugada,
ela o convoque para criticar o desempenho dele numa entrevista na TV ou
compartilhar decisões domésticas.
Marisa é, com certeza, a única pessoa
que, no cara a cara, não corre o risco de se deixar enredar pela lógica
política do marido. Defensora intransigente de seu próprio espaço, não chega a
ser o tipo de esposa que compete com o parceiro. Sabe que seus papéis são
diferentes e complementares. Mas ninguém é aceito na intimidade dos Silva sem
passar pelo crivo dela, que sabe distinguir muito bem quem são os amigos do
casal e quem são os amigos de Lula.
Tanto quanto Lula, Marisa conhece as
dificuldades da vida. Décima filha de Antônio João Casa e Regina Rocco Casa,
cresceu vendo o pai carregar a charrete de verduras e legumes que ele plantava
e vendia no mercado. Se o sítio era pequeno, suficiente para assegurar a
precária subsistência da família de onze filhos, o coração dos Casa era grande
o bastante para acolher os necessitados. Dona Regineta – como era tratada sua
mãe – ficou conhecida como benzedora em São Bernardo do Campo pois, na falta de
médicos e de recursos, muitas pessoas a procuravam, especialmente quem padecia
de bronquite.
A filha estudou até a 7ª série. Ainda
criança, viu-se obrigada a conciliar a escola com o trabalho, empregando-se
como babá na casa de um sobrinho de Portinari. Aos 13 anos de idade, tornou-se
operária na fábrica de chocolates Dulcora. Do setor de embalagem Marisa foi
promovida a coordenadora de seção antes de, aos 20 anos, trocar a Dulcora por
um cargo na área de educação da prefeitura de São Bernardo do Campo, onde
trabalhou enquanto solteira.
Em 1970, ela se casou com Marcos
Cláudio dos Santos, motorista de caminhão. Seis meses depois, ele morreu
assassinado, quando dirigia o táxi do pai, deixando Marisa grávida do filho
Marcos, que Lula considera seu primogênito. Em 1973, ao recorrer ao Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo para obter um pecúlio deixado pelo
marido, Marisa conheceu Lula. De fato, foi paquerada dentro de um verdadeiro
cerco estratégico montado pelo presidente do sindicato, que ouvira falar de uma
“lourinha muito bonita” que andava por ali.
Lula tentou convencê-la de que também
era viúvo, sem que a moça acreditasse, até ver o documento que ele, de
propósito, deixara cair no chão. A primeira mulher de Lula, Maria de Lourdes,
morrera em 1971, com o filho que trazia no ventre, em consequência de uma
hepatite mal curada. Em maio de 1974, Lula e Marisa se casaram. Da união nasceram
os irmãos de Marcos: Fábio, Sandro e Luís Cláudio.
Nos primeiros anos de casada, Marisa
não gostava de política. O progressivo comprometimento de Lula com atividades
sindicais alterava a rotina da casa. Obrigada a levantar cedo para despachar as
crianças para a escola, ela esperava o marido regressar de reuniões que se
prolongavam madrugada adentro. No fogão, a comida pronta para ser requentada,
já que Lula prefere não comer em restaurantes.
Depois de deitar os filhos, ela
acompanhava as telenovelas sem entusiasmo. E, com razão, se queixava da difícil
tarefa de atender a mais de cem telefonemas por dia, muitas vezes sem conseguir
convencer os interlocutores de que ela não controla a agenda do marido, não
sabe se ele poderá ou não participar de um evento em Porto Alegre ou no Recife
e, muito menos, o que ele pensa do último pronunciamento do ministro da
Fazenda.
Em abril de 1980, ela passou pela prova
de fogo, quando Lula esteve preso no DEOPS de São Paulo, devido à greve de 41
dias. Preocupada com a segurança dele, sempre fez questão de abrir a porta
quando estranhos batiam, evitando expor o marido. No mesmo ano, fez o curso de
Introdução à Política Brasileira, promovido pela Pastoral Operária de São
Bernardo do Campo. Filiada ao Partido dos Trabalhadores, abriu sua casa para as
reuniões do núcleo petista que se organizara no bairro Assunção, onde moravam.
O engajamento da mulher levou Lula a participar mais diretamente das tarefas
domésticas. Mas é ela quem cuida das finanças da casa.
Dela depende também a logística pessoal
de Lula, cujas roupas é ela quem compra geralmente. Como ele costuma andar de
bolsos vazios, sequer trazendo consigo a carteira de identidade, da bolsa de
Marisa surgem o talão de cheques e a caneta com a qual Lula dá autógrafos. Durante
as campanhas presidenciais, Marisa sempre levava, nas viagens, uma coleção de
camisas para que, após cada comício, ele pudesse trocá-las.
Embora Marisa prefira, em política, o
papel de assessora mais íntima do marido e não goste de fazer discursos e nem
mesmo ser o centro das atenções, ela não dispensa a oportunidade de participar
de conversas políticas. Seja qual for o interlocutor, Lula jamais pede a Marisa
que se retire, exceto para buscar um café. No fogão, ela prefere o trivial:
arroz, feijão, bife e salada de alface com tomate, embora o seu prato predileto
seja camarões e um bom copo de vinho. O cardápio especial fica por conta do
marido que, de italiano, só tem o apetite: espaguete a carbonara. Para quem
chega, há sempre uma xícara de café. Sair sem aceitá-la é considerado quase uma
ofensa. E ela se compraz em ler toda a correspondência que o marido recebe nos
comícios, bem como em distribuir estrelinhas do Partido às crianças.
Devota do Sagrado Coração de Jesus,
cuja folhinha jamais dispensa, essa ex-Filha de Maria tem, como Lula, a
impressão de que Deus comanda os seus passos. Mas, por curiosidade, gosta de
ler seu horóscopo nos jornais.
Habilidosa na arte do silk-screen,
Marisa fez a primeira bandeira do PT, num tecido vermelho trazido da Itália. Em
1981, montou em casa uma pequena oficina para estampar camisetas com símbolos
do Partido, inclusive criações de Henfil. Para a campanha de Lula a deputado
federal, em 1986, ela chegou a estampar cerca de vinte mil camisetas, vendidas
para angariar fundos. Ciosa de sua privacidade familiar vira uma fera quando a
imprensa tenta entrar pela porta de sua casa ou incluir seus filhos no
noticiário. Em tais situações, só o cuidado das plantas é capaz de acalmá-la.
Desprovida de vaidade, Marisa se veste
pelo figurino do bom gosto, evitando a sofisticação. Compra a roupa que lhe
agrada, sem conferir a etiqueta. Ela sempre foi sua própria manicure e
pedicure. Avessa a protocolos, gosta mesmo é de ficar entre amigos, cercada de
muita planta e água, em qualquer lugar em que os filhos possam se divertir,
livres das normas de segurança. Um bom jogo de buraco, o papo solto, o marido
de bermudas ao seu lado e o telefone desligado – é o que basta para deixá-la em
paz.
Via pragmatismopolitico
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