Trabalhadores informais já passam fome no Brasil por falta de renda
A vida sempre foi uma
batalha para o mototaxista Victor Fernando Pacheco, de 32 anos. Mas jamais
imaginou que chegaria ao ponto de sair de casa sem o café da manhã e, às vezes,
passar o dia só com uma refeição para que seu pai, de 60, tenha o que comer à
noite. Morador do Vidigal, na Zona Sul do Rio, ele é um dos milhões de brasileiros
que trabalham hoje para garantir o pão de amanhã e que, de uma hora para outra,
viram sua renda despencar ou zerar devido à pandemia de coronavírus. Victor
Fernando continua subindo e descendo o morro com passageiros, porém o movimento
caiu e já faltam itens essenciais na despensa e na geladeira de sua casa.
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| Casal recolhe alimentos descartados na Ceasa Foto: Agência O Globo |
Hoje, o mototaxista
aguarda com ansiedade as doações de cestas básicas à comunidade. Ele cobra que
se acelere o pagamento do auxílio de R$ 600 sancionado nesta quarta-feira pelo
presidente Jair Bolsonaro a trabalhadores informais, que somam 2,8 milhões de
pessoas só no Estado do Rio, segundo dados divulgados pelo IBGE em fevereiro.
Passávamos por
dificuldades financeiras, mas nunca vivemos essa escassez. Com o pouco que
temos, prefiro que meu pai se alimente do que eu. Ele é pedreiro, está sem
trabalho, e é totalmente dependente de mim. Devido à idade dele, é melhor que
ele coma bem, para manter uma boa imunidade — diz Victor Fernando, que já
integrou o grupo de teatro Nós no Morro e fez participações em filmes como
“Cidade dos Homens”.
Busca
por doações
O movimento no ponto onde
ele trabalha caiu cerca de 90%. Dos 250 mototaxistas da favela, estima a
associação local da categoria, quase cem pararam de rodar, por medo da Covid-19
ou porque os gastos com gasolina, por exemplo, não compensam. Se antes dava para
conseguir até R$ 2 mil por mês, agora R$ 700 é lucro.
Pago R$ 600 de aluguel e
pensão para três filhos. Continuo trabalhando porque, se não, passo fome. Não
aguento mais comer salsicha e ovo — diz outro mototaxista, Maurício dos Santos
Fernandes, de 26 anos.
A favela é uma das que
estão na fila para receber apoio da Ação da Cidadania, fundada em 1993 pelo
sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, para o combate à fome. Diretor-executivo
do movimento social, Kiko Afonso conta que, nas últimas semanas, os pedidos de
socorro se multiplicaram:
— Nossa meta é chegar a
cem mil famílias atendidas. Nem na época do Betinho se viu uma realidade tão
preocupante quanto a atual.
Uma pesquisa do Instituto
Data Favela, como parte de uma campanha capitaneada pela Central Únicas das
Favelas (Cufa), mostrou que 78% dos entrevistados em comunidades de todo o país
conhecem alguém que já experimenta uma diminuição de renda por conta da
pandemia. E quase nove entre dez moradores responderam que terão dificuldades
para comprar comida caso fiquem em casa sem trabalhar.
Os reflexos dessa crise
podem ser vistos na Ceasa, na Zona Norte do Rio, cercada por 18 comunidades.
Todos os dias à tarde, um número crescente de pessoas cata restos das frutas,
verduras e legumes. Lá não é o único lugar, no entanto, onde as consequências
do empobrecimento são expostas. Na porta de alguns supermercados da Zona Sul do
Rio, houve um aumento de pessoas pedindo alimentos. Até quem trabalha com
comida teme ficar sem ter o que pôr no prato. Dona Maria Almeida, moradora do
Morro Azul, no Flamengo, entrega quentinhas na região do Largo do Machado. O
número de refeições vendidas caiu de 80 para de 15 a 20 por dia.
Tenho
dois filhos para criar, e temo que a mesa fique vazia — disse.
O cenário tem feito
crescer as filas para ganhar donativos. A procura por doações na Fundação São
Martinho, que trabalha com atividades para crianças e adolescentes em situação
de vulnerabilidade social, aumentou 300% nos últimos dias. Algo parecido é
observado por Heli Ferreira, de 54 anos, voluntário que diariamente distribui
café da manhã o Centro do Rio. Morador da Ilha de Paquetá, ele conta que, da
semana passada para cá, o crescimento de pessoas na fila foi de 50%.
Só
feijão
Numa viela da Rocinha, o
cheio forte de mofo toma o cômodo simples onde moram Talita Silva Gomes, de 25
anos, e seus três filhos, de 8,7 e 6 anos. Eles dividem o barraco, que não tem
portas e muito menos janelas. Ali, a fome já chegou. Por causa do coronavírus,
ela não consegue arrumar mais os “bicos” que fazia para completar os R$ 200 que
recebe do Bolsa Família. Ontem, ela só tinha um pote de feijão, que ficou
apenas para as crianças.
Todos os meus filhos têm
bronquite. Se forem infectados, posso acabar perdendo um deles — disse Talita,
sentada na cama de solteiro onde dormem todos juntos.
A tábua de salvação de
Talita era a irmã dela, a diarista Marla Silva Gomes, de 25, que foi demitida
durante a pandemia.
— Nossa vida é tão difícil
que tem dia em que a gente pensa em fazer alguma loucura. Mas, temos que
confiar em Deus e seguir.
Fonte: O globo


Bozo só atrapalha a situação
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