LEVANTAMENTO | Apenas um a cada três pacientes graves com coronavírus sobrevive
Apenas um em cada três
pacientes graves de covid-19 que são entubados nas UTIs brasileiras se recupera
e consegue voltar para casa. A mortalidade desses doentes é de 66%, um número
muito alto quando comparado aos internacionais. Segundo especialistas, o
porcentual reflete as precariedades do sistema de saúde do País e,
eventualmente, o uso indiscriminado de medicamentos sem benefícios comprovados
cientificamente, como a cloroquina.
A conclusão é de um
levantamento do Projeto UTIs Brasileiras, da Associação de Medicina Intensiva
Brasileira (Amib) e do Epimed - uma ferramenta de análise de dados e desempenho
hospitalar. A coleta de informações foi feita entre os dias 1º de março e 15 de
maio em 450 hospitais em todo o Brasil, envolvendo 13.600 leitos de terapia
intensiva - o que equivale a cerca de um terço das vagas para adultos nessas
unidades.
Os pacientes mais graves
são aqueles que estão internados em uma unidade de terapia intensiva e demandam
apoio de ventilação mecânica para continuar respirando. Por isso, a mortalidade
desses doentes é forçosamente alta em qualquer lugar do mundo. No Reino Unido,
por exemplo, é de 42%, e, na Holanda, chega a 44%. Um outro estudo, restrito à
cidade de Nova York, revelou um porcentual ainda mais alto, de 88%.
"A mortalidade geral
na UTI é de 21%, entretanto, entre a população de pacientes mais graves, chega
a 66%", compara o coordenador do Projeto UTIs Brasileiras, o médico
intensivista Ederlon Rezende. "Ou seja, de cada três pacientes que vão para
a ventilação mecânica, apenas um sobrevive. Essa doença não é uma
gripezinha."
O também médico
intensivista Jorge Salluh, pesquisador do IDOR e fundador da Epimed Solutions,
concorda com o colega e especula sobre as razões da mortalidade tão alta.
"Este porcentual é muito alto para qualquer doença, qualquer estatística,
é um número assustador", diz. "Eu não tenho esses dados, é uma
inferência, mas o que parece é que estamos esquecendo de medidas de prevenção
adotadas nas UTIs. O uso de tratamentos experimentais, como a cloroquina e
outras substâncias, todas igualmente com poucas evidências, podem ser um fator.
Intervenções farmacológicas não comprovadas aumentam o risco de morte por
efeitos colaterais", comenta.
Os dados das UTIs são
levantados a partir de questionários respondidos diariamente sobre os pacientes
(como sexo e idade) e os procedimentos adotados. Os medicamentos ministrados
não constam do levantamento. "Pessoalmente, acho que o uso da
hidroxicloroquina tem prejudicado nossos pacientes, principalmente aqueles que
evoluem com a forma grave da doença e vão para as UTIs", afirmou Rezende.
"Mas estes dados não nos permitem afirmar isto", completa.
A infectologista da
Unicamp Raquel Stucchi tem opinião semelhante. "Pelos estudos com
pacientes graves já publicados, sabemos que a cloroquina aumenta o risco de
efeitos adversos e morte. Mas não dá para inferir isso para o Brasil enquanto
não soubermos quem usou e quem não usou a droga."
Curiosamente, essa
mortalidade é similar nas unidades privadas (65%) e públicas (69%). Uma das
razões pode vir do próprio perfil do universo pesquisado. Foram 322 hospitais
privados e 128 públicos. Os especialistas, no entanto, levantam outras
hipóteses. "Em geral, o paciente dos hospitais privados são menos graves
que os dos públicos; como a rede privada tem mais leitos disponíveis, ela é mais
flexível no critério de admissão em UTIs", explica Rezende. "Mas
quando olhamos a mortalidade de um subgrupo muito específico, essa comparação é
mais correta e vemos que a mortalidade é parecida."
Os especialistas lembram
que os hospitais que participam do levantamento tendem a ser os mais bem
organizados, o que pode levar a um retrato mais otimista da realidade.
"Temos de olhar para esses dados com a ideia de que sejam melhores do que
o do nosso mundo cão, em hospitais que não estão organizados e já apresentam o
sistema colapsado", diz o especialista.
Um outro dado que chamou a
atenção dos pesquisadores foi a faixa etária dos pacientes de covid-19
internados em UTIs. Quarenta e um por cento têm menos de 65 anos. O porcentual
é ainda mais alto (51%) entre os internados por síndrome respiratória de
caráter infeccioso - condição que pode indicar casos não diagnosticados de
coronavírus. "Definitivamente, esta não é uma doença de velhinhos",
afirmou Rezende.
A grande maioria dos
internados em UTIs com covid-19 (71%) ou síndrome respiratória (75%) apresenta
alguma comorbidade, como problemas cardíacos, diabetes e obesidade. "Ainda
assim, é bom ressaltar que cerca de 30% não tinham nada", lembrou o
coordenador do levantamento. "Ou seja, a doença pode afetar qualquer pessoa."
Outro dado confirmado pelo
levantamento é que o tempo de permanência nas UTIs por covid-19 é bem acima da
média de outras condições, chegando a dez dias. "As internações são mais
longas do que a média na terapia intensiva, que é de seis a oito dias",
explicou Salluh. "Além de serem muitos pacientes em situações muito
graves, eles ficam muito tempo na UTI e o giro de leito fica bastante
restrito."
A taxa de ocupação das
UTIs revelada por esse levantamento já é alta: 88% na rede pública e 74% na rede
privada. No entanto, os especialistas acham que estes números já estão
subestimados. "O nosso levantamento começou no início da epidemia; tem aí
um momento bom", afirmou Rezende. "Hoje, os porcentuais já estão
acima disso, com o sistema já colapsado. Provavelmente os próximos 30 dias
serão mais difíceis."
Fonte: Estadão Conteúdo


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